A alta estratégia no futuro do Benfica
A eventual troca de treinador no Benfica pode ser vista à luz do confronto de empresários (Mendes e Gonçalves), mas também das eleições do Outono no clube.
Começa a ganhar forma a notícia da saída de Bruno Lage do comando técnico do Benfica, a seis jornadas do final da Liga, surgindo Marco Silva como o nome mais apontado por quase toda a gente para o substituir. Ora, a não ser que ao acordar, hoje, Luís Filipe Vieira tenha voltado a ser surpreendido pela “luz” que o levou a atrasar a demissão de Rui Vitória, há um ano e meio, a confirmação desta notícia levantará uma série de questões de alta estratégia que a tornam muito relevante para o contexto do futebol português. Tão relevante como seria o eventual regresso de Jorge Jesus.
Tenho Marco Silva na conta de um excelente treinador. Tecnicamente competente – ainda que a deserção de João Pedro Sousa, o seu anterior adjunto, para debutar carreira a solo no FC Famalicão, o possa ter fragilizado neste aspeto –, tem dons de liderança, boa imagem e boa comunicação, o que pode ser desprezado por muitos mas é cada vez mais importante no paradigma do futebol atual. Além disso, tem Mundo: já trabalhou na Grécia e na Premier League. Não é a primeira vez que o nome dele é apontado para liderar o Benfica, mas nas anteriores não reuniu consenso: a estrutura da SAD apontava-o, mas Vieira não se deixava convencer. E na busca dos porquês podem ser encontradas as primeiras duas questões que esta notícia, a confirmar-se, levantará.
A primeira é que traz de volta o Luís Filipe Vieira volúvel no tema-treinadores. Bruno Lage renovou contrato em Dezembro, assinando um novo vínculo até 2024, com salário duplicado, o que é uma manifestação de confiança por parte do clube. Já este mês, em declarações à BTV, o presidente voltou a manifestar confiança no treinador, garantindo-lhe a continuidade. O próprio Vieira já contou várias vezes como mudou desde o dia em que despediu Fernando Santos de forma que posteriormente veio a considerar precipitada e até a gestão que fez do dossier Rui Vitória mostra que tenta aguentar os treinadores até às últimas. Com Lage, que lhe deu o título de campeão em condições dificílimas, pode estar prestes a mudar. E isso deve ser assinalado. Já o disse e repito: não estou convencido de que um treinador que ganhou um campeonato perdido – como sucedeu com Lage – com uma equipa-de-autor tenha passado a ser o problema. E, ainda que o tenha visto desesperado e perdido na última conferência de imprensa, falta-me perceber o que é aí causa e efeito: Lage anda perdido porque a equipa não ganha ou a equipa não ganha porque Lage anda perdido?
A segunda – e possivelmente muito mais relevante – é que traz para a Luz a ProEleven de Carlos Gonçalves, cuja rivalidade com a Gestifute de Jorge Mendes tem sido travada em pequenas escaramuças muito menos mediáticas, como a renovação de Jota com o Benfica, por exemplo. Se o caso do jovem atacante, que trocou Mendes por Gonçalves por se julgar prejudicado relativamente a João Félix, mas depois voltou ao regaço do super-agente antes de renovar contrato, já foi o que foi, a eventual contratação de Marco Silva pelo Benfica terá pelo menos o mérito de esclarecer as acusações levantadas contra o treinador por Bruno de Carvalho quando o despediu do Sporting e as suspeitas de gestão cúmplice no Benfica entre Vieira e Mendes. Marco continua a ser uma das estrelas na carteira de Carlos Gonçalves e, das três uma: ou isto vai correr muito mal (e rapidamente), com novelas para alimentar os programas de “futebol” (assim mesmo, com aspas) que se multiplicam como cogumelos selvagens nas nossas TVs, ou não se confirma que o treinador queira sempre favorecer os jogadores agenciados pelo seu empresário, ou não se confirma que é Mendes quem manda no futebol do Benfica.
A terceira questão tem como pano de fundo as eleições do Outono no Benfica. Em condições nomais, Vieira limparia o ato sem dificuldades. Mas estas não são condições normais. A juntar à necessidade de antecipação de receitas da televisão e de mais um empréstimo obrigacionista, que mostram problemas incompreensíveis, Vieira tem um opositor capaz de lhe causar mossa pela implantação que a popularidade televisiva lhe granjeou nas bases – Rui Gomes da Silva – e a última coisa de que precisaria era de perder o segundo campeonato em três anos ou de arranjar confusão de empresários no plantel. Minto: há algo de que o presidente benfiquista precisaria menos ainda: que Gomes da Silva apareça com Jesus para treinador. Mas a isso terei tempo de voltar futuramente. Para já, além de me levar a crer que, antes de avançar para Marco Silva, o presidente do Benfica terá de ter já garantido o equilíbrio estratégico Gestifute-ProEleven (o que o transformaria num verdadeiro Henry Kissinger do futebol português), isso faz-me achar que se quer trocar de treinador deve fazê-lo já. É que, como estão as coisas, quem entrar não tem nada a perder, pois este campeonato os adeptos já o deram como perdido. E na eventualidade de o vir a ganhar – o FC Porto é amplamente favorito, mas está só a três pontos… – o novo treinador transformar-se-ia imediatamente no ás de trunfo para as eleições.