A Alemanha é o quintal do Bayern
A acumulação de egos voltou a criar uma ruptura no Bayern. Foi-se Flick? Kein problem! Contrata-se Nagelsmann ao segundo classificado. E o que é que isto nos diz sobre o futebol alemão?
A passagem de Julian Nagelsmann do RB Leipzig para o Bayern Munique, por 25 milhões de euros, pode até ser vista como um caso de paixão capaz de mover montanhas, pois o “Baby Mourinho” alemão é adepto ferrenho dos bávaros e chega assim, aos 33 anos, à sua “cadeira de sonho”. Mas se olharmos para a coisa de uma forma um pouco mais analítica, vemos que esta transferência é também uma espécie de atestado de óbito ao futebol alemão enquanto todo. O Bayern, que está a uma vitória do nono título consecutivo, criou um sarilho entre o treinador, Hansi Flick, e o diretor desportivo, Hasan Salihamidzic, e ficou sem o primeiro, que anunciou que queria ser selecionador nacional. Nessa altura, para poder seguir no trilho das vitórias, o gigante bávaro não fez por menos: contratou o responsável da equipa que mais sombra lhe vem fazendo, forçando-a a recomeçar tudo também. Valerá mesmo a pena continuarem a jogar o campeonato?
A pergunta acima é, naturalmente, retórica. Mas a realidade é cada vez mais a demonstração de um provérbio que ganha força na Alemanha: a única equipa capaz de travar o Bayern é o Bayern. Desde que o Borussia Dortmund de Jürgen Klopp ganhou dois campeonatos seguidos, em 2011 e 2012, tem sido sempre o Bayern a levar para casa a saladeira que premeia a melhor equipa da Bundesliga. E para percebermos as razões pelas quais o Borussia não partiu dessas duas épocas para um período hegemónico mais amplo, basta ver que nessa equipa estavam, entre outros, Mats Hummels, Mario Götze ou Robert Lewandowski, todos eles transferidos para o Bayern pouco tempo depois. Hummels rendeu 35 milhões de euros, Götze saiu por 37, Lewandowski foi-se a custo zero no final do contrato, sendo que os dois primeiros acabaram por voltar ao Vale do Ruhr depois de terem deixado de ser úteis na Baviera. Aliás, neste Verão, não será apenas Nagelsmann a fazer a viagem para sul, de Leipzig para Munique: também o defesa central francês Upamecano trocará a camisola dos segundos classificados pela dos prováveis campeões, que pagarão mais 42 milhões de euros para assim poderem suprir a saída de Alaba.
Dir-me-ão que é o mercado a funcionar. Certo. Mas a Bundesliga está transformada no quintal do Bayern, que compra tudo o que lhe apetece para continuar a hegemonia. Desde a última festa do título feita frente à parede amarela de Dortmund, em 2012, o clube da Baviera ganhou oito (todos) campeonatos, cinco Taças e quatro Supertaças, a juntar a duas Ligas dos Campeões, dois Mundiais de clubes e duas Supertaças europeias. A segunda equipa alemã mais bem sucedida neste período foi o Borussia Dortmund, que nestes oito anos ganhou uma Taça da Alemanha e três supertaças. O RB Leipzig, que este ano deve terminar a Bundesliga na segunda posição, dando assim mais um passo na ascensão meteórica desde a sua fundação, jogará sexta-feira a meia-final da Taça da Alemanha, contra o Werder Bremen, na tentativa de assegurar presença na decisão da prova e de garantir o primeiro troféu em toda a sua história – até na terceira e na segunda divisões subiu como segundo classificado, atrás do FC Heidenheim, em 2014, e do SC Friburgo, em 2016. Na Taça, este ano, tem uma enorme vantagem: o Bayern já não está, pois caiu logo na segunda eliminatória, perante o Holstein Kiel.
É claro que as contratações de Upamecano e Nagelsmann não garantem, por si só, o décimo título consecutivo ao Bayern. O técnico é um fenómeno precoce – já tinha surpreendido ao comando do TSG Hoffenheim, clube que fez dele o mais jovem treinador da Bundesliga (com 28 anos) e que viu o arrojo recompensado com a qualificação para a Liga dos Campeões –, mas há ali algum potencial para a coisa correr mal. Tudo parece demasiado perfeito e, sendo um clube que acumula egos na tribuna de honra como nenhum outro, o Bayern dá-se melhor com treinadores que não chamem muito as atenções. Não ganhou a Liga dos Campeões com Pep Guardiola, por exemplo, mas sim quando foi buscar Jupp Heynckes à reforma para ocupar o lugar do catalão ou quando se virou para Hans-Dieter Flick numa emergência, depois de ver fracassar Nico Kovac. Se o híper-mediático Nagelsmann vai vencer na Baviera, só o futuro o dirá. A mim, o que me preocupa, de resto, não é que o mercado funcione ou que os grandes tenham sempre os meios para se abastecerem nos pequenos. Não é sequer que isso aconteça entre a primeira e a segunda potência de um país, aumentando a separação entre os campeões e os maiores rivais.
Mas se tanto nos queixamos em Portugal de ter um futebol demasiado centrado em três clubes, dos quais ainda por cima só dois ganham com regularidade campeonatos, imaginem o que seria se tivéssemos um campeão crónico que, a cada contrariedade, se abastecesse no seu maior rival. O que é que isso diria do nosso futebol? Provavelmente que esse campeão já não era deste país, mas sim de uma realidade acima. O que este processo mostra é que, mesmo não tendo aderido à Superliga de Florentino Pérez, este Bayern já não é da Alemanha. Está acima – e o título joga-se na luta pelo segundo lugar.